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Entre meninos e botos: um amor pela Etnobiologia

Tese de doutorado mostra interação de crianças com animais míticos da Amazônia

“Ele? Ele é filho de boto!”. Animal mítico da Amazônia, ao boto é atribuída a paternidade de vários meninos e meninas. A lenda sobre o charmoso homem vestido de branco que usa um chapéu e seduz jovens em dias de festas, as margens dos rios, é difundida na região. Mas o que realmente as crianças e adolescentes sabem sobre o boto? O boto animal e o boto mito coexistem? Estas e outras dúvidas inspiraram a tese de doutorado da pesquisadora Angélica Rodrigues, sob a orientação da professora Maria Luisa da Silva, do Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Angélica Rodrigues faz parte do Grupo de Pesquisa “Biologia e Conservação de Mamíferos da Amazônia” (BioMA), o qual reúne pesquisadores da UFPA e de vários outras instituições. Ela explica que botos, baleias, golfinhos, peixes-boi e lontras (mastofauna aquática) são importantes nos ecossistemas aquáticos por suas interações na cadeia alimentar, pois, é preciso grandes ambientes para manter populações destes animais. Além disso, “para que a legislação seja efetivamente aplicada em prol da conservação destas espécies, é preciso, urgentemente, reunir informações acerca da ecologia, biologia e do conhecimento local a respeito destes animais”, defende.

Na água ou no imaginário - “As interações de botos com as populações humanas ocorrem principalmente através de emalhes acidentais durante a pesca, eventos de encalhes ou pelo valor simbólico e mágico-religioso que estes animais representam, e desta forma estas interações podem resultar em percepções positivas ou negativas. Os botos, peixes-boi e lontras são personificados como seres mágicos e despertam sentimentos que variam da vingança ao apreço”, enumera a pesquisadora.

Durante as pesquisas para a tese de doutorado, Angélica Rodrigues analisou os conhecimentos etnozoológicos sobre os mamíferos aquáticos entre estudantes do Ensino Fundamental II de escolas públicas localizadas em Abaetetuba, Mocajuba, Marajó, Santarém e na Região Metropolitana de Belém, por meio de redações, entrevistas, questionários e pranchas topográficas, unindo métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa.

Os resultados demonstram que a lenda e o imaginário sobre os botos são amplamente difundidos em todas as regiões do estado do Pará e estão associados, principalmente, aos botos vermelhos. Nas narrativas de crianças e adolescentes pesquisados, 66% se referiam ao boto vermelho, 22% ao boto cinza e tucuxi  (Sotalia sp)., 7% aos peixes-boi e outros 7% às baleias.

“Vale ressaltar que o sentimento de indiferença (30%) juntamente com o de medo (32%) foram os mais frequentes nas falas dos discentes e, de modo geral, os alunos possuem conhecimentos prévios sobre as características morfológicas, diversidade, lendas, comportamento e ameaças à sobrevivência das espécies de mamíferos aquáticos”, revela a bióloga.

Ela explica que são as lendas sobre estes animais as principais causas do sentimento de medo entre as crianças e adolescentes pesquisados, especialmente, entre os que viviam nas ilhas da região de Abaetetuba e do Marajó. Nestes casos, os pais e avós narram histórias sobre os botos e os atributos destes “seres encantados” trazem algum temor às crianças. “Esta lenda e estes comportamentos foram identificados especialmente aqui na Amazônia. Em outros locais onde o boto-rosa não habita, a relação com os golfinhos mostra-se mais amistosa”.

Nadando entre botos - Mas foram as interações diretas entre crianças e adolescentes com botos tucuxis e cor de rosa que chamaram atenção e foram registradas pela primeira vez na pesquisa. Em lugares próximos às feiras de Santarém e Mocajuba, os botos nadam, brincam e são alimentados por jovens e meninos.

As observações da pesquisadora indicam que nadar com os botos ainda é mais uma prática cultural do que turística. “Em Mocajuba é um tradição e, supostamente, vem acontecendo há trinta anos e repassada por gerações, segundo os próprios moradores e frequentadores da feira. Em Santarém, ela é mais recente e se dá de uma forma mais turística”.

A relação amistosa é, até certo ponto, uma exceção aos resultados gerais da pesquisa que indicam a indiferença e o medo como principais sentimentos ligados a estes animais. Quem interage diretamente com os botos apresentou conhecimentos sobre a aparência, ocorrência, interação com outros mamíferos aquáticos, lendas e características do animal e não demonstraram medo ou indiferença em relação a eles.

O contato direto é mais frequente entre meninos e adolescentes de 8 e 17 anos, os quais forneciam aos botos espécies de peixes comerciais. “Apenas uma menina foi vista participando deste tipo de interação”, recorda Angélica Rodrigues.

Ela assegura que as interações parecem ser inofensivas às crianças, mas é preciso cautela e aumento no esforço da pesquisa, pois estudos anteriores envolvendo animais de vida livre a humanos neste tipo de interação podem causar prejuízos para ambas as partes, fora os riscos de zoonoses.

“Um grupo de meninos estava acostumado a nadar com os botos, mas, ao mesmo tempo, registramos pequenos acidentes que envolviam cortes nos dedos ao alimentar os botos e serem surpreendidos por mordidas. Este tipo de incidente, porém, é atribuído aos que seriam ‘mais desatentos’. No geral, nada mais grave foi relatado pelos jovens”, reforça a pesquisadora.

“Percebemos que embora os mamíferos aquáticos que ocorrem na Amazônia sejam pouco conhecidos do ponto de vista biológico ou mesmo sejam temidos por uma parte dos alunos entrevistados, eles podem ser bem aceitos pelos estudantes por meio da articulação entre os saberes populares e científicos em programas de conservação ambiental”, assegura Angélica Rodrigues.

A bióloga da UFPA reitera a necessidade de pesquisar os impactos que a interação direta entre os botos e o público e de “promover medidas educativas sobre a conservação de mamíferos aquáticos na região da Amazônia Oriental, área de maior densidade humana da Amazônia e que, por esta razão, sofrem com os efeitos danosos da pressão antrópica”.

Texto: Glauce Monteiro – Assessoria de Comunicação da UFPA
Publicado em: 27/07/2015
Unidade: Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento
Status: Pesquisadora Angélica Rodrigues está disponível para entrevistas.

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